quinta-feira, 18 de junho de 2009

Bola de sabão

Se ao menos tudo fosse como aquele pequena bola de cor que se forma no ar, simples, colorida, móvel, mutável.... Viva! Apenas formada pela intensa vontade de uma criança -ou um feliz e raro adulto - de a fazer existir, de lhe dar vida. Oh! Se ao menos tudo fosse como ela. Simples e sincero. Criativo e real. Se ao menos eu podesse sumprimir a minha existencia a um pequeno espaço fisico pleno de felicidade, ou mais que isso, de um nada que é tudo, um nada que não acarreta consigo tudo o de bom que traz o mau, um nada, que por ser nada, nao é complexo. Nem belo. Nem feio. Porque para haver bem o mal tem de existir. Porque para se criarem os sorrisos, a felicidade, ha que ter noção das lágrimas e do sofrimento. Se ao menos tudo fosse assim e eu podesse viver so comigo no meio de tudo o mais. Se ao menos tudo fosse assim e uma brisa me levasse passageira e me deixasse voar livre, sem rumo, em lado nenhum e em toda a parte. Se ao menos tudo fosse assim e uma criança me lançasse um sopro de mim e este ficasse marcado na minha pele até ao dia, ao momento, ao segundo em que me desfizesse em nada. Oh! Se ao menos tudo fosse como aquela bola de sabão colorida. Se ao menos eu pudesse desaparecer como ela e não me transformasse em nada por já o ser, e nem ficassem restos de mim por nunca o ter sido.
Porque se ao menos eu fosse como aquela bola de sabão, eu não seria eu, e aí, tudo só por si, seria mais facil.

terça-feira, 24 de março de 2009

Escuto imóvel

A casa está vazia. Não se houve um susurro, apenas uma leve melodia vinda do rés do chão, três andares a baixo rompe furiosa e leve por ente aquele silêncio de morte. Não conheço a musica e no entanto é como se fizesse mais parte de mim que eu própria. Nada mais se houve. Nada mais se escuta. Nada mais existe. Pois a casa está vazia, e sentada no chão da sala escuto, nem atenta nem sem desviar a atenção, aquela música. Não tento saber que musica é. Não procuro saber de onde vem ao certo. Não procuro escutá-la com maior nitidez. Não vou ao seu encontro. Deixo apenas que ela venha ao meu. Por entre portas e paredes. Janelas e fechaduras. Passando corpos humanas e as suas vozes. Vem calma, seguindo o seu caminho até mim. Distorcida por todos e melodiosa por si mesma. Por uma vez, limito-me a estar quieta, imóvel, mas não espectante, aconchegada no chão da minha sala. Sem correr. Sem tentar. Deixando que ela se mova por mim.
Escuto. Não sei ao certo se te trata de uma música ou da simples junção dos sons que alguém permitiu que entrassem nesta divisão. Mas o que isso interessa? Veio. Veio até mim. Não procuro entender os motivos, apenas gosto, e escuto. Porque se ela veio até mim, é porque de certa forma eu fui até ela.

Relva fresca

Chove!
Chove torrencialmente!
Chove como se apenas hoje tivesse chovido. Hoje e sempre. Toda a vida sem intervalo, começando esta madrugada.
Chove!
Hoje choveu!
Eu sei que hoje choveu. Não ouvi. Não vi. Estava lá mas não senti.
Como sei que choveu? A relva está molhada. Sinto nos pés a terra fresca e quente. Molhada. Viva. E no entanto abalada. Lavada em lágrimas. Grandiosa, porém pequena. Pequenina, infima quando algo dos céus se abate sobre ela. Grande, poderosa, cobiçada e fertil. Mas pequena, leve e acanhada. Desamparada. E no entanto. Fresca. Boa. Viva. Sim viva. Quando a sinto nos pés.
Porque após a tempestade vem a bonança, por muito que se nao entenda a tempestade, notaremos quando chegar a bonança.
Porque choveu!
Eu sei que choveu!
Não ouvi!
Não vi!
Mas choveu. Algo em mim diz que choveu! E algures nesse mundo. Quem sabe, no final da rua. Chove. E alguém vai colocar os pés no chão e saber que chove. Alguém vai ouvir e sentir a chuva na cara, nas mãos frias. Alguém vai cair na lama e ver o sol mais sujo.
Alguém. Algueres. Vai sentir a chuva. Perto ou longe. Agora ou mais tarde.
Mas aqui não chove.
Quem sabe o tempo que faz para onde vou.

quinta-feira, 5 de março de 2009

perto do sitio onde moro

Há um banco no jardim na cidade. Fica perto do sitio onde moro. Basta apenas sair, andar uns metros, apanhar o autocarro, sair oito paragens depois, andar mais um pouco. Baixar a cabeça, olhar para os pés, continuar a caminhar, entrar no jardim e passar por cinco ou seis bancos. E é logo aí. E aí que ele está. Nem antes nem depois. Aí. Um banco de jardim. Não "o banco de jardim". Não o "meu banco de jardim". Apenas "aquele banco de jardim". Aquele banco de jardim perto de minha casa onde me vou sentar um pouco quando nada tenho a fazer.
A partir daquele banco de jardim consigo ver o mundo, tal como conseguiria a partir de qualquer outro banco de jardim, mas eu, eu vejo daquele. Não é algo que não possa mudar. Não é nada que não vá possivelmente mudar. É apenas a realidade. Aquilo que até agora ainda não mudou.
Á minha frente está uma senhora de casaco azul e saia cuja cor é quase irreconhecivel pelo uso que aparenta ja ter tido, mas eu, ouso dizer que um dia foi vermelho vivo, agora, não tão vivo. Olhos azuis perdinos no tempo, um terço na mão e um ar aflito, numas feições que passaram mais quentes verões que as minhas. Não sei o que lhe acontecerá. Não sei se espera o jovem de dezoito anos que partiu para a guerra á 60 e não voltou. Não sei se espera a filha engenheira que a colocou num lar e nunca mais voltou, ou prometeu voltar, mostrar o neto a avó. E se assim for não sei se veio se não. Mas duma coisa sei. Sei que aquele é o seu banco de jardim. E este o meu. E mesmo a dois passos de distância os nossos mundos nunca se tocarão, pois este banco fica perto do sitio onde moro e aquele não.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Demasiado tarde

Por vezes é demasiado tarde.
Apenas tarde.
Nao dificil.
Nem facil.
Tarde.
Demasiado tarde para nao fazer o que se fez.
Demasiado tarde para se fazer o que nao se fez.
Demasiado tarde para lembrar.
Demasiado tarde para poder esquecer.
Demasiado tarde para dizer não.
Ainda mais tarde para dizer que sim.
Demasiado tarde para não pensar.
Ou demasiado tarde para se perder tempo a pensar.
Demasiado tarde para fazer.
Para refazer.
Tarde para remediar.
Para partir.
Concertar.
Tarde para rir.
Para chorar.
Mas nunca é tarde demais para mudar de vida.
Para acreditar.
Para ser feliz.
Ou pelo menos tentar.